Fernanda Oliveira

Fernanda Oliveira
ou Tia!

Pesquise aqui também!!

sexta-feira, 22 de março de 2013

Sobre vidas Sobrevividas - Parte II

Continuação de Sobre vidas Sobrevividas


          Nossa viagem durou exatos 30 dias, entre julho e agosto de 1999. Visitamos avó, tios, primos e amigos. Há três anos não os via. Eu era a chefe da expedição, pois fiquei responsável por meus três irmãos, na época com 14, 8 e 7 anos de idade. Recordo exatamente a data de retorno, pois foi uma dessas vezes que o mundo deveria ter acabado... mas não foi desta vez novamente. "Nostravamus".
       Voltei a trabalhar na Elite Sorveteria após as "férias". Chorei ao saber que o Casebre Dance havia fechado suas portas. Era meu maior motivo de diversão, já que não saía das imediações do bairro. Algumas vezes, quando saía do trabalho e percebia a boate ainda funcionando, dava uma passadinha lá pra sentir o movimento, mas sem demora, já que minha mãe ficava preocupada e eu sempre voltava sozinha pra casa. Eu era apenas uma menina de quinze anos e muitas vezes menti a idade na boate Casebre Dance pra ser autorizada a entrar. Minha fúria era pra dançar, sempre gostei muito e devo admitir: eu gostava de música de periferia. Mpb, bossa nova e músicas clássicas me enojavam. Adorava o É o Tchan, Companhia do Pagode, Terra Samba, P.O. Box e seus "enfins". E enfim...
      O rapazinho moreno de sorriso branco e bonito voltou a frequentar a sorveteria e só queria ser atendido por mim. Tudo normal, já que ele não era o único. A coisa começou a mudar de figura quando ele passou a vir com um colega artista: Sorriso Branco fazia o Amigo Artista desenhar algo parecido com uma mulher e que se identificasse comigo... Tudo em guardanapos! Depois vieram as frases feitas, outras nem tanto. Ele era um gentleman  dos guardanapos. Guardei vários deles por anos. Aquilo foi me chamando a atenção, passei a gostar da ideia. E do Sorriso Branco também. Ele tem nome, mas vou identificá-lo neste assunto por suas reais iniciais: E.R.A. 
       E.R.A.  conseguiu me conquistar. Passamos a namorar e, desde os primeiros dias, as primeiras semanas, ele agia de forma ciumenta e eu achava interessante, parecia que ele gostava de mim. Meninas de sempre na minha faixa etária à época sempre acham que isso é bom, que elas estão com a bola toda. É aí que mora o perigo! Sem discernimento, não há vigília.
      Eu já estava apaixonada. Já conhecia o barulho do carro em que ele trabalhava e o coração ia a mil, corria pra janela ou para a porta afim de esperá-lo. E.R.A. não era tão independente, morava com a irmã, o cunhado e as sobrinhas no bairro vizinho ao meu, mas tinha seu empreguinho em um laticínio da cidade. Passamos a nos ver todos os dias. Menos de um mês de namoro e já fui convidada a conhecer a família dele. Viajei em torno de 80km para chegar à casa da mãe dele, onde toda a família estava reunida. Ele foi me buscar. Chegamos à casa, fui apresentada e comecei a interagir aos poucos, embora com certa dificuldade, já que eu era um bichinho do mato. Pra mim era muito mais fácil conviver com várias outras pessoas, desde que não fossem as pessoas que me olhariam diferente, me olhariam com olhos maldosos e com olhos de "Ela é a namoradinha dele". Seria interessante, desde que estas pessoas não fossem as pessoas da família dele. Eu era uma moleca enfrentado pessoas muito mais maduras. 
     O tempo foi passando e os ciúmes dele criavam força, já que estávamos cada vez mais unidos. O namoro, desde seus primeiros dias, já tinha muitas brigas, discussões, palavrões, tudo porque era mais interessante a ele escutar o que as outras pessoas que me conheciam falavam/pensavam ao meu respeito. Admito que eu era moleca namoradeira, mas não via exagero nisso. São coisas de adolescentes e isso é comum, totalmente compreensível. Tudo é descoberta, tudo se quer a todo custo... Qualquer um faz isso, se não fez, vai fazer ainda. Sempre fui expansiva e isso às vezes faz com que as pessoas confundam "liberdade com libertinagem". Ainda hoje. Pois bem. Em algumas discussões que tivemos, ele chegou a me proferir palavrões, me fazia sentir culpada pelas brigas. Uma vez me deu um tapa no rosto. Eu aceitava, afinal, eu estava errada. Ainda tive que suportar algumas traições e que ele fez questão de me contar os detalhes e por que fez: eu era culpada. Sempre.
     Com as brigas, vieram as proibições. Tive que me afastar da Maria, uma amiga a qual me presenteou sua filha recém nascida para que eu a batizasse; Afastei-me da Jaci, uma das minhas melhores amigas. Me fez afastar também de outras amigas, amigoscolegas comuns e até colegas da escola. Eu não poderia conviver com ninguém, não poderia sorrir pra ninguém. Nem por brincadeira. Tudo era motivo de briga. Passei a caminhar sempre cabisbaixa, de modo que, se cruzasse com algum conhecido, cabeça baixa veria apenas pés.  Comecei a sentir uma necessidade extrema de me manter assim, pois eu tinha a sensação de ter sempre  alguém me olhando de algum lugar, às escondidas e diria a ele que eu falei ou olhei para alguém. Até mesmo atravessar a rua, olhar para os lados para assegurar-me se vinha ou não algum veículo, era motivo de pavor pra mim. Mesmo assim eu continuei o namoro. 
       Sempre acreditei que poderia mudar as coisas - e ainda acredito. Com isso, posso mudar as realidades, posso fazer milagres com tempo escasso, com a ordem das coisas, em como as pessoas estão acostumadas a agir, se portar. Acreditando e confiando nesta tese, resolvi acatar ao pedido dele de irmos morar juntos. O namoro durou um ano e oito meses. A empresa em que ele trabalhava fechou. Por compensação, o patrão dele o presenteou com um terreno em um bairro novo, totalmente sem infraestrutura. Apenas um descampado com algumas depressões por conta do relevo e tipologia do bioma de nossa região. 


(Continua no próximo post de "Sobre vidas Sobrevividas")
     

Nenhum comentário:

Postar um comentário