Fernanda Oliveira

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terça-feira, 19 de março de 2013

Sobre vidas Sobrevividas

           Pausa para o café. Ou água. Ou nada. Ou... não!
        00:32h  de uma noite relativamente fria para a realidade de Palmas, avisada pelo Accuweather no gadget da área de trabalho: 25 graus Celsius. 
     Tv enfim desligada, a programação realmente não está tão atraente quanto o joguinho Paciência Solitarie no meu smartphone. Mas até isso me cansou, por enquanto. De repente uma vontade enorme de escrever, de vir aqui rasgar o verbo, de ceder de uma vez à minha tolerância em adiar os assuntos que quero abordar.
        Quero falar de mim, de uma fase da minha vida que poucos participaram em conhecê-la (e que bom que não participaram fisicamente).
      O tempo me roubou algumas memórias ou outras se sobrepuseram a elas - talvez fossem mais importantes - ou talvez eu tenha querido realmente achar o lugar adequado para elas, mas não antes de colocá-las aqui.
       Por ser um trecho desta vida aqui, ele pode ter durado um certo tempo que não cabe só em um texto, então vou procurar dar sequência em outras postagens, identificadas por algum marcador que facilite a leitura de todos  eles. Assim presumo. 
        E isto foi a introdução.



          Nasci em Taguatinga, cidade satélite de Brasília. Em 1992, aos nove anos de idade, viemos para o Tocantins e fomos morar na região norte do estado, o famoso Bico do Papagaio. Foi lá onde meus pais foram criados, cresceram, conheceram-se, casaram-se. Eu, a filha mais velha e mais três irmãos, sendo que o bendito fruto entre as mulheres tinha apenas quatro meses à época. A cidade é Buriti do Tocantins, quase no extremo norte do Tocantins com o sul do Pará. Cidade pacata, todo mundo conhece todo mundo e nossa família, tanto por parte de mãe quanto de pai, são muito conhecidas e grandes. Por um ano moramos em Buriti. Meu pai, nômade como sempre, resolveu ganhar a vida como lavrador e levou toda a família um pouco mais mata adentro. Três anos já se passavam e destes, dois na lavoura. Tudo era difícil, estudávamos em uma escola rural no Povoado de São Francisco, distrito de Esperantina do Tocantins, afastado da cidade em torno de oito a dez quilômetros. Íamos todos os dias e caminhávamos, eu e minha segunda irmã, uma légua para estudar. Comumente topávamos com cobras, macacos, iguanas, bicho-preguiça, aranhas e recordo que até um maracajá uma vez cruzou nosso caminho. A estrada era coberta por vegetação nativa e em poucos trechos via-se o sol. Era estreita e cheia de barrancos nas bordas, qualquer desequilíbrio - principalmente para aqueles que pedalavam nas Barras Circulares - caíam. Em períodos do "inverno tocantinense", as baixadas enchiam-se e pelo menos em três trechos que passávamos, a água batia na altura da coxa. O medo era maior, pois ouvíamos histórias terríveis do povo local de casos de enguias e sucuris. Por sorte, nada mais que sanguessugas nos atacavam nesses brejos e nada melhor que o suco puro do limão. Bom tempero! Mas devo confessar que eu sentia o pior medo duas vezes por dia, não tinha como desviar: Passávamos em frente ao cemitério e eu evitava olhar, mesmo estando ao fundo das primeiras casas do povoado, o que nos causava um certo alívio. Isso piorava quando saíamos da escola e resolvíamos burlar as regras e ir nadar no rio - não disse antes, mas o povoado margeia o rio Araguaia -  e acabava ficando tarde. O dia já caindo e o coração gelava à medida que chegávamos nas imediações da "terra santa". Enfim, foram dois anos ali. Voltamos para Buriti e foi mais um ano sofrido, já que no início de 1996 meu pai resolveu tentar mais uma vez a vida, viajando então para Palmas, capital em leve ascensão e motivo de esperança para muitos pais de família. Era fevereiro daquele ano. Lembro-me que em julho do mesmo ano, partimos, minha mãe, eu, Juh e Flavinho (os irmãos mais novos) para visitar meu pai. O dinheiro disponível não era suficiente para pagar a passagem da Pati (a segunda irmã), já que passávamos dos sete anos de idade e já pagávamos há alguns anos. 
          Eu sonhava com essa cidade, nova vida, novas perspectivas. O sonho, geralmente, não condiz com a realidade. Eu já tinha então meus doze anos de idade. Fui matriculada na escola que fica praticamente nos fundos de casa e minha mãe só voltou a Buriti pra buscar a Pati e o que havia restado dos pertences e que muitos nos acompanhavam desde Brasília. Menina magrela, roupas modestas, assim como o caderninho de capa mole com a cara do Carlos Patrocínio na capa que carregava no colo. Era tudo o que meu pai podia me dar, ou era tudo o que ele se permitia nos dar. Lembro como hoje da chacota que eu virei na escola, pois minhas coleguinhas tinham cadernos com capa dura e espiral. Hoje em dia isso tem outro nome... Seria bulling?
         Enfim, como os fins justificam os meios, eu precisava contar essa parte da história, que é muito mais que isso aqui descrito, se for contar em detalhes. 
      
          Sempre gostei de criar as coisas, aprendi a costurar até por minha mãe ser uma costureira. Comecei a trabalhar aos quatorze anos de idade, sempre quis minha independência. Eu já era líder por natureza, o meu próprio signo determina isso. Participava de grêmio escolar, organizava eventos, tomava a frente de muitas coisas, gostava de me sentir importante e útil. Isso não mudou muito nos dias atuais. Dentre os locais que trabalhei, posso citar o trabalho no Núcleo Comunitário do bairro, onde eu fazia as vezes de uma secretária e logo começaria a dar aulas de datilografia, mas uma briga com o presidente da base me afastou do "cargo"; Outra vez minha mãe conseguiu, com a professora dela, que eu fosse trabalhar de doméstica em sua casa. Tudo durou oito dias até ser escorraçada pelo marido dela, pois eu havia contado a ela que ele havia se insinuado pra mim. Não contei mentira; Depois fui fazer um teste em uma loja de artigos diversos, justamente quando surgiram as famosas lojinhas de R$1,99. Eu estava feliz da vida em uma delas, mas não tinha a menor experiência no trabalho como vendedora. Foi um fiasco que durou... oito dias também! Minha glória veio então com a notícia de alguém que chegou aos meus ouvidos de alguma forma e que, honestamente, não recordo como foi... Só sei que fui admitida em uma sorveteria em meu bairro, há mais ou menos 500 metros da minha casa. Seu Jovair, mais conhecido como Seu Jova - embora com esse apelido, era um moço - devia ter algo em torno de 35 anos de idade. Ele mesmo havia aprendido a fazer  os sorvetes e talvez este fosse o diferencial da Elite Sorveteria. Além disso, fazíamos lanches, sucos, vaca-preta e em algum período, a tentativa de vendermos também cervejas, o que não deu certo. Trabalhávamos de segunda a segunda, desde as 18h até enquanto houvessem fregueses, geralmente até meia noite. Lembro-me que o dia que terminamos o expediente mais tarde já passavam das 4h. É... tínhamos cerveja! Ali meu trabalho foi mais promissor: eu era chapeira, garçonete, faxineira, menos sorveteira. Eu servia e já tinha meus fregueses e, modéstia à parte, meu atendimento era bom. Muitos me diziam que só iam lá por causa do meu atendimento e isso só fazia com que eu melhorasse, porque eu adorava ser estrelinha.
          Já tinha meus quinze anos de idade, faltava pouco para os dezesseis e continuava na sorveteria. Um moço moreno, troncudo, estatura média e um sorriso branco e bonito, os dentes certinhos,  saía da escola e passava quase todos os dias lá. Pra mim era super normal  já que muitos faziam isso. Ele tomava um sorvete pequeno, por vezes algum lanche ou algum refrigerante. Eu achava interessante que ele sempre estava acompanhado de duas moças e quando terminavam, pagavam a conta, iam embora, mas ele retornava e dizia que estava indo pra sua casa, totalmente o oposto de onde havia ido com elas. Estava sendo cavalheiro, pois estudavam juntos e ia sempre deixá-las perto de casa. Isso, claro, eu pude prestar atenção depois. Bem depois. Não podia dar conta da vida de todos os fregueses. 
           Trabalhava já há quatro meses na Elite e precisei viajar com meus irmãos para o norte do estado, rever a família. Eu conduziria a turma, os três demais e eu, por ser a mais velha, fui incumbida disso. Meus pais ficaram em casa. Esta viagem durou um mês exatamente. 


(continua no próximo post)

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